Uma parte da confusão que cerca a LGPD finalmente chegou ao fim (ao menos é o que se espera): hoje, 18 de setembro de 2020, a lei entrou em vigência plena. E, como tem sido comum, diversas informações erradas foram publicadas pelos grandes (e pequenos) veículos de comunicação e por “especialistas”. A ideia desse artigo é tentar esclarecer o que aconteceu e apontar o que falta acontecer. Pois é, se prepara que lá vem textão.
Por que a LGPD começou a valer hoje, e não em (“insira aqui sua data preferida”)?
Resposta curta: porque, hoje, foi publicada, no Diário Oficial da União, a Lei nº 14.058/2020.
Resposta longa: quando nasceu, a LGPD estava prevista para entrar em vigor em 16 de fevereiro de 2020 (18 meses após a publicação). Posteriormente, uma medida provisória aumentou esse prazo, que chamamos de “vacatio legis”, para 24 meses. Com isso, a lei deveria ter começado a valer dia 16 de agosto.
Muita gente falava, equivocadamente, no dia 14. Essa confusão vem do fato de a lei ser de “14 de agosto de 2018” e entrar em vigor “24 meses após a publicação”. Um misto de falta de atenção e desconhecimento técnico levou muita gente a divulgar a data errada. Falta de atenção porque a data de publicação da lei foi 15 de agosto (e não 14), como está escrito lá no finalzinho, depois do “Eliseu Padilha”:
Desconhecimento técnico porque, segundo as regras vigentes, a lei deve entrar em vigor no dia seguinte do fim do prazo, ou seja, dia 16. Há pouco mais de dois anos, o professor Fabrício da Mota Alves, indicado do Senado para compor o Conselho Nacional de Proteção de Dados, escreveu um
artigo bem didático sobre o assunto, que recomendo a leitura para quem quiser entender melhor.
Com o início da pandemia, um projeto de lei (PL nº 1.179/2020) pretendia adiar o início da vigência da LGPD para 1º de janeiro de 2021. Antes que fosse votado ou discutido, foi publicada uma medida provisória (MP 959) que adiou para 3 de maio de 2021. Com isso, foi retirada do texto do PL 1.179 a parte sobre o adiamento da vigência da lei, já que deveriam discutir o mesmo assunto depois, em razão da MP 959. Posteriormente, esse PL foi transformado na Lei nº 14.010/2020, que adiou a aplicação das sanções (inclusive as multas), mas não a vigência da LGPD.
E veio o caos
Faltava, ainda, discutir a MP 959. E aí o que já estava confuso ficou caótico. Primeiramente, ninguém nem sabia se iam ou não iam votar a tal da medida provisória antes que ela caducasse no dia 26 de agosto. A discussão do assunto foi marcada e remarcada diversas vezes. A MP foi transformada em projeto de lei de conversão (PLV 34/2020) e, no dia 25 de agosto, a Câmara aprovou o adiamento da LGPD para o dia 31 de dezembro. O alívio durou até o dia seguinte, quando o Senado retirou do PLV o artigo sobre o adiamento, aprovando somente os outros artigos. Esse dia foi louco.
Com a queda do adiamento no Senado, muitos veículos divulgaram, equivocadamente, que a LGPD entraria em vigor no dia seguinte. O próprio Senado emitiu uma nota informando que não era bem isso. E, de fato, não era, pois a MP continuou valendo até ontem, como manda a Constituição. Hoje, com a publicação da Lei nº 14.058/2020 no Diário Oficial da União, a LGPD finalmente entrou em vigor. E veio mais um show de desinformação. Grandes veículos divulgaram manchetes como “Bolsonaro sanciona LGPD” e coisas do tipo. Gente, a LGPD foi sancionada pelo Temer, ainda em 2018. O que foi sancionado foi outra lei, que, no fim das contas, não tem nada a ver com a LGPD. “Pera lá, Raphael, como assim?”
Eu li o Diário Oficial e não vi nada de LGPD. Me explica.
Duvido que tenha lido, mas vá lá. A lei sancionada hoje diz respeito ao auxílio emergencial e não tem uma palavra sequer sobre a LGPD. Isso porque o artigo que adiava a Lei é justamente o que foi retirado no Senado. A LGPD entrou em vigor hoje porque, com a sanção dessa lei, a MP 959, que adiava a LGPD para 3 de março, deixou de valer, passando a valer o texto original da lei (16 de agosto). “Mas, pera, então ela vale desde hoje ou desde o dia 16 de agosto?” Daria para escrever umas 10 páginas sobre isso, mas vamos simplificar: desde hoje, porque a MP 959 continuou valendo até a publicação da Lei nº 14.058/2020. Sim, é confuso assim mesmo. Aliás, é um pouco mais confuso do que parece.
Mas e as multas?
As multas e demais sanções previstas na LGPD só poderão ser aplicadas a partir de 1º de agosto de 2021. Isso porque a parte do PL 1.179/2020 (posteriormente Lei nº 14.010/2020) que falava sobre o adiamento das sanções passou, só o que caiu foi a previsão para o adiamento do resto da LGPD.
Então as empresas estão “de boas” até agosto de 2021?
Não. A LGPD já está valendo. Os agentes de tratamento ainda não podem ser multados com base nela, mas já podem ser multados
com base em outras leis (o Banco Inter, por exemplo, foi multado ainda em 2018) e podem responder processos judiciais se fizerem tratamentos ilegais que causem danos patrimoniais ou morais. Titulares de dados, Procons, Ministério Público e associações, por exemplo, já podem entrar com ações judiciais contra agentes de tratamento que descumprirem a LGPD.
Eita. Eu tenho uma empresa. O que faço agora?
Se a sua empresa não teve tempo para se adequar nesses últimos 2 anos (perceba o sarcasmo), é melhor começar logo. Algumas coisas que você já pode – e deve – fazer, é nomear um encarregado de proteção de dados (o famoso DPO), criar uma política de privacidade e identificar os tratamentos de dados que a sua empresa realiza (qualquer coisa que você faça com um dado pessoal de clientes, empregados, etc.). Um processo de adequação à LGPD não é rápido e nem fácil e o ideal é contratar uma assessoria especializada (verdadeiramente especializada) para fazer um diagnóstico e um projeto de planejamento e implementação. Mas, se sua empresa não tem como fazer isso agora, o importante é começar de algum lugar, então mãos à obra e boa sorte.