Ontem, 15 de dezembro de 2020, o famoso artigo “The Right to Privacy”, de Warren e Brandeis, completou 130 anos de sua publicação original. De lá para cá, muita água passou debaixo da ponte, mas um dos marcos mais importantes dessa discussão foi o julgamento, em 1983, da (in)constitucionalidade da lei do recenseamento alemã.
Nesse julgamento (BVerfGE 65, 1, Volkszählung), a Suprema Corte alemã concluiu que os direitos fundamentais à dignidade humana e ao livre desenvolvimento da personalidade se desdobram em um “novo” direito: o da autodeterminação informativa (se acha o nome complicado tem que ver em alemão).
Se você prestar atenção, vai notar que, já em seu primeiro artigo, a LGPD fala no tal livre desenvolvimento da personalidade, que também compõe o 7º fundamento da lei.
“Tá, mas você falou esse monte de velharia e não explicou nada”. Te acalma, vivente. Basicamente, quando falamos em autodeterminação informativa estamos falando no seu direito de estar no controle das informações que dizem respeito a você. Quais dados pessoais você quer compartilhar? Com quem? Por quanto tempo? Para qual finalidade? Em resumo: não cabe ao Estado (antagonista da decisão alemã) ou às gigantes da publicidade online (alvo das “LGPDs” mundo afora) decidirem o que fazem com os SEUS dados.
Esse conceito é o que respalda, por exemplo, a base legal do consentimento, que, erroneamente, é vista por muitos como requisito indispensável para o tratamento de dados pessoais. Em um mundo ideal, caberia ao indivíduo, com base no fundamento da autodeterminação informativa, o pleno controle sobre os dados relativos a ele. Na prática, como se diz, a teoria é outra: sabemos que é inviável esse controle absoluto.
Vale lembrar que, aqui também, a autodeterminação informativa é considerada um direito fundamental. Ao discutir a (in)constitucionalidade da MP 954 em julgamento que tem muito em comum com o julgamento da corte alemã, o STF consagrou os direitos fundamentais à autodeterminação informativa e à proteção dos dados pessoais. O Ministro Fux, por exemplo, destacou em seu voto que “a proteção de dados pessoais e autodeterminação informativa são direitos fundamentais autônomos extraídos da garantia da inviolabilidade da intimidade e da vida privada e (...) do princípio da dignidade da pessoa humana”.
Com isso, mais do que um fundamento da LGPD, a autodeterminação informativa ganhou o status de direito fundamental, ou seja, pertence à classe dos direitos mais importantes que a Constituição nos assegura. No papel, pelo menos, ficou ótimo. Vamos ver como isso fica na vida real.