03/12/2020

Fundamentos da LGPD – Respeito à Privacidade

Ao contrário do que muitos imaginam, os princípios e fundamentos não estão nas leis só para encher linguiça. Também não é por acaso que costumam aparecer logo no começo. Eles são essenciais no processo de interpretação da norma pelos juízes e, no caso da LGPD, pela Autoridade Nacional.

Não sou de ficar citando artigos nos meus textos, mas vou abrir uma pequena exceção nesse caso. Os fundamentos da LGPD estão elencados no comecinho da Lei, já no art. 2º e, ao longo das próximas semanas, vou falar um pouquinho sobre cada um os 7. E comecemos pelo primeiro deles: o respeito à privacidade.

Sempre gosto de lembrar que a LGPD é a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais. Não é de regulamentação, é de proteção. Assim, nada mais justo que ter a privacidade como seu primeiro fundamento. Mas o respeito à privacidade não é uma invenção da LGPD.

Já em 1890, Warren e Brandeis, em um dos artigos mais citados do mundo (The Right to Privacy), defendiam o direito das pessoas de serem deixadas a sós. O que os afligia era a ameaça à privacidade decorrente da evolução tecnológica. Não, a preocupação não eram drones que filmavam a vizinha na piscina, a caneta espiã ou o hoje onipresente smartphone e a viralização desse conteúdo na internet. A preocupação era a fotografia instantânea e sua circulação nos jornais impressos.

Por aqui, esse direito também não é novidade. A Constituição de 1988 já determina, há mais de 30 anos, que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas”. Também é inviolável “o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas”. Pois é, tudo aquilo que os aplicativos do seu celular ficam fuçando (acho que podemos deixar as comunicações telegráficas de fora) é, em tese, inviolável.

Na mesma esteira, a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, de 2000, prevê que “todas as pessoas têm direito ao respeito pela sua vida privada e familiar, pelo seu domicílio e pelas suas comunicações”, logo antes de determinar, no artigo seguinte, que “todas as pessoas têm direito à proteção dos dados de carácter pessoal que lhes digam respeito”. Como se vê, daria para escrever páginas e páginas sobre o assunto (e até pretendo fazer isso, mas não aqui).


Como é de se esperar, a LGPD nos traz uma série de regras que têm o intuito justamente de fazer com que esse fundamento saia do papel. Assim, vamos ver que, ao abordar os direitos do titular, a Lei já começa o capítulo dizendo que “toda pessoa natural tem assegurada a titularidade de seus dados pessoais e garantidos os direitos fundamentais de liberdade, de intimidade e de privacidade”. Ao tratar das boas práticas e da governança, permite (meio que sugere, do tipo “olha, é melhor fazer, hein”) a implementação de programa de governança em privacidade para atendimento aos princípios da segurança e da prevenção, cuja efetividade deve ser demonstrada. 

Vale destacar que, dentre os “órgãos” que compõem a ANPD, está o Conselho Nacional de Proteção de Dados Pessoais e da Privacidade. Veja bem, a privacidade aparece até no nome do Conselho. Aliás, dentre as funções da ANPD estão as seguintes: elaborar diretrizes para a Política Nacional de Proteção de Dados Pessoais e da Privacidade; promover e elaborar estudos sobre as práticas nacionais e internacionais de proteção de dados pessoais e privacidade; e editar regulamentos e procedimentos sobre proteção de dados pessoais e privacidade.

É fácil notar que esse fundamento vai ser levado muito a sério. Portanto, imagino que, nos casos envolvendo violação da privacidade dos titulares, a mão que assina a multa vá tremer de emoção. Da mesma forma, as condenações judiciais nesses casos também devem ser mais altas, uma vez que está sendo desrespeitado não só um direito legal, mas um direito constitucional fundamental.

No próximo artigo, vou falar sobre a autodeterminação informativa, um dos fundamentos mais importantes da história da proteção de dados e que pouca gente entende do que se trata. Até lá!
Por Raphael Di Tommaso

Publicado em 03/12/2020 às 16:09

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