30/01/2021
LGPD: Liberdades de Expressão, Informação, Comunicação e Opinião
Hoje, vou falar um pouco sobre o terceiro fundamento da LGPD que, na verdade, são quatro: a liberdade de expressão, de informação, de comunicação e de opinião. E daqui pra frente é isso aí: todos os fundamentos terão um certo grau de aglomeração.
Quem acompanha o direito constitucional sabe que, vira e mexe, sai uma confusão envolvendo esses fundamentos, normalmente quando ocorrem flertes com a censura, com o cerceamento da liberdade de imprensa, da atividade intelectual ou artística e por aí vai. Não vou aqui me aprofundar nisso, até porque daria um livro (provavelmente mais de um) e o objetivo desse texto é outro, mas é importante sabermos que temos diversas decisões importantes sobre o tema no STF.
Esse inciso não está na LGPD por acaso: podemos pensar em inúmeros casos nos quais pode haver conflito entre o direito à proteção dos dados pessoais e esse(s) fundamento(s). Vamos a alguns exemplos.
Caso 1: Seu Zé é um político famoso, envolvido em diversos escândalos e que responde a uma série de processos judiciais. Um jornal publica uma matéria a esse respeito e, malandramente, Seu Zé entra com uma ação contra o jornal para impedir o uso de seus dados pessoais (processos que responde, patrimônio em seu nome, etc.). Com isso, menos gente ficaria sabendo de suas falcatruas e ele teria maiores chances de eleição.
Caso 2: Beto é um artista famoso, com décadas de carreira de sucesso no País. Seu Paulo, fã de Beto, resolve escrever uma biografia sobre ele e, após anos de pesquisa, a obra fica pronta. Beto entra com uma ação para impedir a publicação do livro, visto que não quer permitir o uso de seus dados pessoais (história, locais onde estudou e trabalhou, shows em que tocou, namoradas que teve, etc.).
Acho que deu pra entender, né? Os casos fictícios aí de cima (não tão fictícios assim) são parte da razão pela qual esses fundamentos se fazem necessários. Os reflexos deles no restante da lei são claros. Só para dar um exemplo, a LGPD não se aplica, ou se aplica com menor vigor, aos tratamentos realizados para fins jornalísticos e artísticos ou acadêmicos.
Agora que ficou um pouco mais clara a razão desse fundamento existir, vamos às diferenças entre esses termos todos. Importante destacar que, como eu já disse, isso aqui daria um livro (aliás, um livro necessário), então não tome isso como verdade absoluta: é apenas uma diferenciação para tentar ajudar na compreensão desses conceitos. Há, na doutrina jurídica, diversas abordagens acerca do assunto e, em geral, os autores não se preocupam em tentar diferenciar esses conceitos. Eu vou tentar, mas sem pretensões científicas ou acadêmicas, até porque esse é blog é um espaço rebelde e informal, sem Qualis e que ignora a ABNT.
Liberdade de Expressão: para boa parte dos juristas, a liberdade de expressão é o “guarda-chuva” sob o qual estão as outras liberdades.
Liberdade de Opinião: é a liberdade de pensar o que se quer, tanto no que diz respeito ao que você pensa “para dentro” quanto ao que você quer tornar público. É, em suma, o direito a pensar e dizer o que pensa (aqui, de mãos dadas com a liberdade de expressão), gostem os outros ou não.
Liberdade de Comunicação: é a liberdade de comunicar o que se quer (inclusive uma opinião) da forma que achar melhor, seja de uma pessoa para outra, como por meio de cartas, mensagens ou telefone, seja por meio de uma pessoa para muitas, como em uma palestra, rede social, jornal ou programa de televisão.
Liberdade de Informação: é a liberdade de informar (exercida, por exemplo, por um jornal), de se informar (lendo livros ou consultando fontes primárias, por exemplo) e de ser informado (de ler aquele jornal que quer te informar).
Claro que, no dia a dia, essa diferenciação não tem lá grande utilidade prática. O mais importante é saber que, em muitos momentos, pode haver conflito entre esses fundamentos e um ou mais dos outros que já vimos e dos que veremos. Nos casos hipotéticos que apresentei lá no começo, há um claro conflito entre essas liberdades e a privacidade e a autodeterminação informativa, que vimos antes, e entre elas e a inviolabilidade da intimidade, honra e imagem, que veremos no próximo artigo.
É importante dizer que, sempre que houver conflito entre dois ou mais fundamentos, a ANPD ou o Judiciário terão um grande pepino para resolver: decidir qual deve prevalecer. É uma questão que não tem uma resposta de marcar cruzinha e muito menos de V ou F. Quando isso acontecer – e vai acontecer – o julgador terá que analisar o caso concreto, justificando muito bem a sua decisão. É o que vemos em casos importantes julgados pelo STF quando há o que chamamos de choque ou colisão de direitos fundamentais, aqueles direitos mais preciosos que a Constituição nos assegura e que são o alicerce dos fundamentos da LGPD.
Como se vê, os próximos anos prometem fortes emoções. E olha que ainda não vimos nem metade dos fundamentos.
Por Raphael Di Tommaso
Publicado em 30/01/2021 às 13:05