14/08/2023
O curioso caso Unabomber e a LGPD
Muitos pensam que os nossos dados pessoais são apenas aqueles comuns como CPF, nome, RG, mas, na verdade, os dados pessoais são todos aqueles que eu posso usar para identificar alguém ou vincular a uma pessoa de alguma forma, como a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) deixa bem claro.
Tá, mas como assim? Por exemplo, se pegarmos sua cidade natal, o ano de seu nascimento e o nome da sua mãe, há uma probabilidade muito grande de conseguirmos identificar você.
Agora, veja, sua assinatura ou sua escrita claramente te identifica, logo pode ser considerada um dado pessoal. É possível descobrir, inclusive, se você é canhoto caso o traço da letra T seja "puxado" da direita para a esquerda. Interessante, não é? Agora, vamos combinar, quando foi a última vez que você teve que escrever algum texto complexo de forma manuscrita? É nessa forma que a força e o tamanho da mão influenciam, mas não é só assim que nossas características incidem. Isso também acontece quando digitamos ou transcrevemos nossos pensamentos para o “papel”.
Contextualizando, o ano era 1978 e os EUA estavam enfrentando uma série de atentados em que eram enviadas bombas disfarçadas de pacotes de correio. Isso durou anos e as empresas atacadas eram escolhidas como alvos por incentivarem a disseminação de novas tecnologias e alavancarem o avanço da sociedade moderna. Era um ataque claramente movido por uma ideologia radical.
Três mortes, 23 feridos e 17 anos depois, o agressor enviou uma carta ao NY Times prometendo cessar o envio das bombas caso eles ou o Washington Post publicassem o seu Manifesto intitulado “Sociedade Industrial e Seu Futuro”, mesmo que anonimamente. Só que mal sabia ele que esse anonimato logo acabaria, unicamente pela sua forma de escrever. O agente do FBI encarregado das investigações do caso foi um dos primeiros a utilizar linguística forense como meio de identificação de criminosos.
Por meio do manifesto, o agente Fitzgerald conseguiu transformar as palavras do terrorista em pistas para revelar quem seria o Unabomber, como ficou conhecido o caso. Essas palavras possibilitaram a compreensão, entre outras coisas, do nível de escolaridade, os pontos de vista e trejeitos linguísticos. Também conseguiram descobrir a idade, a universidade que ele tinha frequentado, qual o ano, a cidade onde nasceu, onde morou. Mas, ele foi descoberto, principalmente porque o irmão do Unabomber conhecia as ideologias nada convencionais de Ted Kaczynski e o denunciou para a polícia que já estava na sua cola.
À época, a teoria foi muito criticada e encarada com muita descrença, o que ameaçou toda a investigação e até a carreira do policial encarregado. Mas o caso Unabomber foi um dos mais complexos e intrigantes da história americana e a técnica da logística forense teve um papel crucial em sua solução. A técnica continua sendo uma ferramenta importante para os investigadores que precisam identificar e localizar autores de crimes com base em sua escrita. Para se ter uma noção, o enredo chegou a virar uma série na Netflix.
E o que a LGPD tem a ver com isso? A aplicação da LGPD na logística forense não apenas ajuda a proteger os direitos dos indivíduos, mas também contribui para a efetividade da investigação criminal. A proteção de dados pessoais é fundamental para evitar a utilização indevida de informações coletadas durante as investigações, preservando a integridade das evidências e garantindo que a identificação do autor do crime seja baseada em evidências concretas e legítimas. Neste caso em específico, concluiu-se que Ted Kaczynski era mesmo o autor dos crimes, mas e se não fosse?
Moral da história: você pode até tentar disfarçar, mas a graça de ser humano é que todos somos únicos. O modo como falamos e escrevemos pode revelar muito sobre nós, porque não há como negar a biologia e a genética. Nesse cenário todo, podemos concluir que nossos dados fazem parte de nós, tanto para nos condenar, quanto para nos salvar, logo merecem proteção adequada.
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Por Júlia Bossardi Premaor
Publicado em 14/08/2023 às 09:06