01/10/2020

LGPD: Cyrela é condenada por uso indevido de dados pessoais

Faz tempo que eu aviso que a LGPD não é a única lei a tratar de dados pessoais. O Banco Inter, por exemplo, tem 1,5 milhão de motivos para nunca mais esquecer disso. E, desde antes de a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais começar a valer, tenho insistido que as multas não são a única preocupação que as empresas devem ter. Se alguém ainda tinha dúvidas, chegou a hora de encarar a realidade: no dia 29 de setembro – 11 dias após o início da vigência da LGPD – a Cyrela foi condenada pelo uso indevido de dados pessoais. Pois é.

“Tá, Raphael, mas como assim? A justiça está funcionando assim tão rápido?” Não delire, vivente. O Judiciário continua no ritmo de sempre. A ação é de 2019 e agora foi decidida em primeiro grau. Isso trouxe uma série de questionamentos, afinal, se a lei não estava valendo, não deveria servir de base para a condenação. E é aqui que reside a verdadeira beleza da sentença dessa juíza que eu “mal conheço e já considero pkas”.
 
LGPD Cyrela condenada

Primeiro vamos ao caso: o autor da ação comprou um imóvel da Cyrela, que forneceu os dados pessoais para parceiros ofertarem produtos e serviços. Aí começou aquele aborrecimento que todo mundo conhece: um monte de telefonemas e e-mails indesejados oferecendo tudo que é tipo de tralha. Que feio, Cyrela...

Irritado, inconformado e aborrecido (com toda a razão), o consumidor processou a construtora pedindo que ela interrompesse o uso ilícito de seus dados pessoais e o indenizasse pelos danos morais sofridos. E ganhou. 

A sentença da juíza Tonia Yuka Koroku condenou a empresa ao pagamento de R$ 10 mil a título de danos morais e a parar de repassar ou conceder a terceiros os dados do autor, sob pena de multa de R$ 300 por contato indevido. 

Mais importante que a indenização, que, ao meu ver, é irrisória, como venho defendendo desde a minha monografia de conclusão do curso de Direito, é a fundamentação da decisão. Embora a sentença cite a LGPD diversas vezes, ela se embasa em outras leis que já estavam vigentes á época do ilícito praticado pela Cyrela. Vamos dar uma olhadinha:

Constituição: a decisão reconhece que houve a violação dos direitos fundamentais (os mais preciosos que temos) à honra, o nome, a imagem, a privacidade, a intimidade e a liberdade. Mais que isso, tratou-se de afronta a princípios fundamentais da República como o princípio da dignidade humana. Destacou ainda que a proteção do consumidor é, ao mesmo tempo, um dever constitucional do Estado e um fundamento da ordem econômica. Achou pouco? Pois a juíza também - e ressaltou que os fornecedores devem respeitar a função social da propriedade e dos contratos. 

Código de Defesa do Consumidor: nesse ponto, destaca o direito de acesso à informação adequada sobre os serviços que são postos à disposição do consumidor. O contrato informava acerca do uso dos dados do autor para abertura de cadastro positivo - e nada mais. A venda dos dados do consumidor para terceiros, portanto, não tem previsão contratual. Além disso, a responsabilidade do fornecedor é objetiva (não depende de culpa) e todos que trataram indevidamente os dados respondem solidariamente (em conjunto).

Código Civil: a empresa infratora causou dano moral ao cliente, por ter violado os princípios da boa-fé e da função social da propriedade e dos contratos. 

Código de Processo Civil: fatos notórios, como algumas práticas abusivas (olá, companhias telefônicas e empresas de cobrança!), não dependem de prova. Além disso, quando for difícil para uma das partes provar o ocorrido, pode ser invertido o ônus da prova (o que também está previsto no CDC e na LGPD).

Ah, faltou uma coisa importante: a multa por contato indevido. Como assim aplicar uma multa se as sanções são apenas a partir de 10 de agosto de 2021? Pois é o que venho dizendo: só as multas da LGPD não podem ser aplicadas. As outras podem. E essa aí tem base no Código de Processo Civil, que autoriza o juiz a determinar multa pelo descumprimento da decisão. Pois é, por 300 pratas até vale a pena atender a ligação.
Por Raphael Di Tommaso

Publicado em 01/10/2020 às 22:55

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